domingo, outubro 12, 2008

vídeo: Trânsito | Janayna Araújo


O vídeo propõe mostrar o que se vê no momento da captura das imagens, uma “ação em curso” como diz Dubois (2004, p.72). As imagens não são uma ilusão do que se vê ou seu congelamento num tempo, mas o registro do que se via num dado espaço-tempo, em tempo real. As imagens, somadas à música, possibilitaram uma sensação dramática podendo constituir uma leitura intimista para aqueles que a assistem. Este vídeo teve como objetivo explorar uma sensação no momento em que se percorreu um trajeto, à noite e no lugar do carona em um carro. Ao ocupar o lugar do carona, o olhar pode estar mais disperso ou mergulhado no som da música, além de poder acompanhar a paisagem que passa; diferentemente do motorista, que precisa de uma atenção concentrada e quase automática.
As imagens foram capturadas através de um celular. A gravação foi feita pelo carona e foi direcionada para a vista que oferece a janela. Os cortes, na filmagem, foram feitos pelo próprio aparelho, aproveitando o tempo máximo de captura. Na medida em que se encerrava um tempo de captura, cerca de três minutos, armazenava-se e em seguida recomeçava nova captura até o término do trajeto. O celular esteve, por todo o período da gravação, na altura da janela. A lente, direcionada para fora do carro, visava captar imagens que passavam pela janela, aproveitando as imagens que estavam por vir e que haviam passado, que aparecem através do retrovisor, o qual em alguns momentos refletiu a figura de quem as captura. A partir desse ângulo, tem-se no centro do quadro uma divisão na tela, produzida pelo próprio carro. Esse ponto de divisão persiste durante todo o vídeo.
Após a captura das imagens, juntamos os cortes na seqüência realizada. Colocou-se uma música. A escolha foi a música de Arvo Part, que chama a atenção pela sensação produzida entre imagem e som. A música escolhida foi "Cantus In Memory of Benjamin Britten", do disco Tábula rasa. O fato da imagem ter um ponto fixo, se deslocando apenas o contexto em que está inserida, nos fez optar por um som introspectivo.
A idéia inicial era filmar um trajeto. Somente após assistir às imagens capturadas foi possível pensar sobre a música. E, depois desta escolha, optamos pelo mínimo de interferência nos imagens, como pequenos cortes a fim de ajustar o tempo da música ao roteiro.
Quanto à estética, aproveitamos a imagem com pouca definição do celular e aumentamos esse efeito com Aged Film. A música intensifica essa plasticidade, permitindo uma interação entre a estética e a linguagem do vídeo, proporcionando um clima mais intimista. Quanto à linguagem, a imagem oferece três tempos simultâneos; o fato de estar num carro tem como referência um cenário em movimento constante, uma cidade; o que está por vir (à frente do carro), o que se passa (pela janela do carro) e com o que ficou para traz (imagem produzida através do retrovisor). A pouca definição da imagem, diz do pouco que observamos o que passa por nós ou do que está por vir a acontecer. Ficamos com a vista turva e imersos no pensamento que mistura acontecimentos que criamos e acontecem no pensamento, mas podem nunca ter existido e nem vir a existir. Apesar disso, tem-se um ponto persistente durante todo o vídeo. A instabilidade da mão, o balanço do carro junto à musica, proporcionam uma sensação de apreensão. Essa sensação somada ao fato de ser uma filmagem noturna causam um certo desconforto àquele que assiste ao vídeo. Mas, no vídeo, antes da cena acabar persiste a sensação de que algo está para acontecer, e esperamos.
A narrativa que encerra é de um acontecimento ordinário à vida, um trajeto percorrido à noite em um automóvel. O nosso encontro com a paisagem produz sensações singulares e diversas provocando uma relação dinâmica com a noção de tempo. Podemos passar por um mesmo lugar e termos sensações diferentes, ou nem atentarmos para isso. Ou, podemos percorrer o mesmo caminho e não perceber o que se passa. Mas, também podemos estar abertos a olhar e experimentar novas sensações.

Referência bibliográfica:
DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. Tradução:Mateus Araújo Silva. Cosac&Naify, 2004.